segunda-feira, 14 de abril de 2014

Numa fria, de Charles Bukowski



Charles Bukowski é frequentemente descrito como o “santo padroeiro dos bêbados”. Nascido em 1920 e autor de obras como Mulheres e Notas de um velho safado, sua fama é a de um maldito que, alimentando sincera ternura pelos miseráveis, fez uso de uma linguagem violenta para retratar diversos ângulos de uma vida de excessos.
Numa fria, coletânea de contos de sua autoria, talvez seja um exemplo interessante de seu estilo literário. Não há floreios, preocupações estilísticas ou uso sofisticado de recursos linguísticos. Ao contrário de Flaubert, constantemente lembrado por sua quase paralisante fúria perfeccionista, Bukowski não parece preocupado com o impacto sublime de suas linhas: os textos são duros, bruscos e, para quem está habituado à leitura de Garcia Márquez ou Tostói, até mesmo um pouco constrangedores.
A temática dos capítulos é basicamente a mesma. O autor é recorrente ao tratar da bebida, da arte e do sexo em esmagadora maioria de seus contos. Há uma legião de ébrios sem rumo nem dinheiro, vagando de bar em bar em busca de uma mulher disponível – e os termos utilizados para descrevê-las não são necessariamente delicados.
Não sou eu quem vai dizer, porém, que a visão de Bukowski sobre as mazelas da vida (e também sobre suas alegrias, quando ainda há uma dose de uísque disponível) é equivocada. Talvez seja, para mim, apenas pouco poética, mas essa ponderação está longe de ser relevante. Ninguém disse que a literatura deve representar somente o plano ideal, o encontro perfeito de almas gêmeas, a história comovente de uma paixão proibida ou luta incessante pela paz no planeta. Bukowski atém-se ao que considera real, e é possível que a estranheza que sua obra me causou (juntamente com o leve deslumbre por sua simplicidade abusada) advenha justamente disso.
Incomodou-me, principalmente, o seu descaso com o amor. Fiquei escandalizada, admito, com a falta de delicadeza de Bukowski ao discorrer com tanto desprendimento sobre algo que sempre julguei digno das mais elevadas expressões, um dos únicos temas obrigatoriamente livres de qualquer vocabulário torpe nas páginas dos livros. Um trecho esclarecedor, entretanto, fez com que minha resoluta antipatia se aplacasse de modo parcial. Ainda bem, porque eu estava apenas na página 68...
Em um diálogo corriqueiro, Meg e Tony discutem a possibilidade de um caso extraconjungal. Ela é amiga da esposa de Tony, Dolly, e está resistindo firmemente às investidas dele, que não parece ver problema algum na situação e a aconselha a ser ‘moderna’. Meg, um tanto quanto indignada, pergunta:
“- Tudo bem, o que há de errado com o amor, Tony?
- O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz a gente se sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece.
- Tudo bem, então devemos fazer o melhor possível.
- Certo. Mas mesmo assim devemos entender que o amor é só o resultado de um encontro casual. A maioria das pessoas explora isso demais. Nessa base, uma boa foda não é de se desprezar inteiramente.” (p. 68-69).
Confesso que, ao passar os olhos por essas linhas, senti um leve incômodo. Aquela estranha sensação de repudiar as palavras mas resignar-se acerca da pertinência do conjunto. Eu, que tenho entre meus livros preferidos justamente aqueles que colocam o amor como o ápice inquestionável de uma existência (ainda que, nesse processo, haja mais pesar do que satisfação), me vi brutalmente atacada por uma realidade que, no fim, nunca pretendi contestar.
Analisando mais friamente, contudo, retomei uma postura de resguarda. Estou certa de que Tony confundiu o amor; tal qual Bukowski talvez tenha feito em sua vida de extravagâncias. Na ânsia de convencer Meg a subjugar-se às suas vontades, o marido ‘moderno’ tentou persuadi-la de que, em função da conveniência do amor, que vitima as pessoas que se encontram em um mero acaso, não valia a pena preocupar-se com ele – melhor mesmo era entregar-se ao prazer carnal.
Quase a totalidade dos contos do livro reitera essa abordagem. Em diferentes contextos, tendo como cenário os bares decaídos ou os quartos com cheiro de mofo, as mulheres despontam em alguns casos como passatempos irrecusáveis e, em outros, como presas efêmeras diante de um desejo latente. Não há qualquer conquista (e quando a persistência se faz necessária, desiste-se com argumentos semelhantes a “ela nem valia todo aquele empenho”, como se os homens, em sua maioria artistas, estivessem desacostumados à subserviência romântica) e surpreendeu-me positivamente o fato de que o sexo feminino raramente reclama dessa indiferença sentimental. Existe uma espécie de cumplicidade, de entendimento, como se todos compreendessem que se trata apenas de instintos, de volúpia, e que o resto é uma perda de tempo e um desperdício de esforço.
O amor, portanto, talvez seja devotado somente à arte. Assim como Bukowski, seus personagens são movidos a álcool e estimulados por corpos femininos, mas são quase sempre disciplinados em relação ao seu ofício. Produzem, publicam e produzem mais. A despeito do talento que possuem, permanecem imersos na mesma miséria – e, assim, bebem mais, comemorando ou afogando as mágoas.
Evidencia-se, então, uma certa adoração à pobreza, ao desapego, à falta de ambição; exalta-se a arte do infortúnio, aquela que acontece nos subúrbios e não carece de qualquer formalidade. É também assim o amor de Bukowski. E eu, embora relutante, ainda preferindo os gracejos de Nabokov, admito relativa pertinência nesse sentimento que é bem mais comum do que a elevação retratada nos romances-perfeitos: na ânsia de amar (ainda que da forma mais física possível) a todas, acaba-se não amando ninguém.

Um comentário:

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